quarta-feira, 23 de setembro de 2009

OLHOS DE RESSACA

"(...) Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, “ olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário ; a cor e a doçura eram minhas conhecidas; A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imagino que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios. Com tal expressão que... Retórica dos namorados, dá-se uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode a imagem capaz de dizer sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá a ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava a escura, ameaçando envolver-me, puxar-me, tragar-me... "

Dom Casmurro - Machado de Assis

Nenhum comentário:

Postar um comentário