quarta-feira, 7 de abril de 2010

PRESSA

PRESSA

Andava Ana naqueles dias apressada. Era mais uma sexta-feira agitada, e estava ela ansiosa por mais um fim de semana com o novo namorado.
Mas ainda tinha todo o dia pela frente e algum trabalho!
Naquela época era professora de espanhol, estava no comecinho da carreira e ainda não sabia ao certo se estava feliz. Os alunos eram muito apáticos e ela tinha que ser uma artista de circo às vezes para arrancar-lhes alguns meros sorrisos. Tarefa não fácil que ela decidira lutar dia a dia porque sabia que tinha de enfrentar os ossos do trabalho que escolhera, melhor então era acostumar-se logo com tais percalços.
Como na sexta dava apenas três aulas à tarde sempre marcava algo pessoal para fazer até pouco antes das 15 horas, algo feminino como depilar ou tirar as sobrancelhas, ou até mesmo dar uma escapadinha ao shopping, comprar alguma coisinha com o pouco dinheirinho que sobrava, estava economizando quase tudo para comprar o primeiro carro, ainda dividia o único carro da família com sua mãe. Era um sufoco conciliar as agendas.
Decidira nesta semana fazer as unhas. Dos pés e das mãos. O namorado adorava seus pés e fazia questão que suas unhas estivessem à francesinha.
Marcou com sua fiel manicure, às 13:30, por suas contas daria tempo, quase não tinha cutícula. Mas justo hoje Márcia estava ligeiramente atrasada.
De lá ia direto para a escola, sua mãe liberara o carro, daria tudo certo, às 15 horas estaria dando “Buenas tardes” à turma de alunos do nível avançado. De unhas feitas. E o coração acelerado à espera do gracioso elogio de Winícius logo mais à noite.
Márcia ainda estava no primeiro pé e já passava de 14:20, daria tempo?
O chinelinho amarelo estava ali esperando os pezinhos branquinhos e bem feitinhos, não podia logo em seguida colocar os sapatos com as unhas molhadas de esmalte, chegaria até a escola para calçá-los.
Finalmente terminara. Tinha exatos dez minutos para chegar ao centro de línguas. Mal respirando pagou a manicure, deu-lhe um beijo rápido e foi logo saindo afobada, com seus quatro livros nas mãos e o sapato xadrez que calçaria quando chegasse o momento certo.
Para abrir a porta do Uno tinha que desocupar uma das mãos e ao mesmo tempo tomar muito cuidado para não estragar as francesinhas.
Conseguira finalmente entrar no carro e cautelosamente dar a partida. Primeira parada a contragosto: sinal vermelho. E para piorar um engraçadinho para com a moto a seu lado e sorri.

Nervosa como é foi logo dizendo:
- O que foi? Algum problema com o senhor?
- Comigo nenhum. Agora com a senhorita...
- Comigo o quê? Por que eu teria algum problema?
- Porque tem um sapato xadrez no capô do seu carro!
Deu um grito, sobressaltou-se e quase não puxou o freio de mão. Olhou para trás e uma fila de automóveis estava à sua espera. Envergonhada saiu do carro, pegou os sapatos e voltou, arrancando o mais rápido que pôde para sumir dali.
No caminho riu.
Olhou para os pés e mãos. Intactos.
O relógio dava 15:00.

Ana Cláudia da Freiria

Um comentário: